De ontem e de hoje – Gatos
por Licínia Quitério
Hoje vou falar sobre gatos. Sobre a minha relação com os gatos que ao longo da vida vêm partilhando comigo casa e comida, para não falar de discussões e brincadeiras.
Quando nasci havia lá em casa um gato de que não me posso lembrar porque quando morreu eu ainda era inconsciente da vida que começava. Diziam os meus pais que era um animal meigo e que me dava marradinhas suaves.
O primeiro gato que conheci de perto chamava-se Lince, era todo cinzento, corpulento, com ar um tanto feroz, orelhas em riste. Pessoas estranhas não raro ficavam intimidadas na sua presença. Fazia a sua vida de conquistador de fêmeas, estava dias sem aparecer e quando voltava trazia frequentemente feridas de lutas com rivais que a minha mãe se encarregava de tratar. Durou onze anos, foi um gato com o conforto da casa e a liberdade dos telhados, uma vida de fazer inveja a muito gato pobre e maltês.
Já na minha própria casa viveram gatas, três, que me escolheram.
A Bolinha, siamesa, foi-me oferecida quando ficou órfã e não era mais que uma pequena bola de pelo. Traquina quando novinha, tornou-se meiga e veio a ser companhia da velhice de meus pais.
A OIM, tricolor, inteligente e meiga, veio ter comigo com um olho doente. Tratei-a e nunca mais me largou. Esteve comigo dez anos e foi companheira muito importante numa época difícil da minha vida. O nome OIM reproduz o miado dela que assim soava, OIM… OIM… Tinha modulações de voz parecidas com a dos humanos. Chegou a “dizer” OLÉ, imitando-me, para espanto de quem ouvia. A sua morte encheu-me de tristeza.
A Pequenina apareceu do lado de fora da janela. Colou nos meus os seus magníficos olhos de esmeralda. Abri-lhe a porta da casa. Entrou. Ofereci-lhe comida. Aceitou. Visitou os meus lugares e elegeu o banco alto onde poisou. Nos primeiros tempos de coabitação consentia que a acariciasse apenas com o olhar. Caçadora intrépida e implacável, fêmea cumpridora de namoros breves e doces maternidades. Altiva, solitária, sedutora. Gostava de a pensar como reflexo de uma deusa. Não me deixava fazer-lhe festas. Só quando adoeceu procurou o meu colo para aconchego dos seus últimos dias.
Há dez anos que o Tigre faz parte do meu dia a dia, em certa medida também o seu dia a dia. Foi abandonado, com cerca de dois meses, na Tapada de Mafra, juntamente com três irmãos. Soube que procuravam quem os adoptasse e logo fiquei com o tigrado, enfezadito. Fez-se um gatão, um autêntico Tigre doméstico, ufano da implacável simetria das suas riscas, nada de confiança a estranhos à casa até quebrar o gelo e “aceitar amizade”, como se diz no Facebook. É meu modelo fotográfico, quando o consente, claro.
Um texto cheio de gatos é o que hoje aqui ofereço.
Licínia Quitério
Pode ler (aqui) as restantes crónicas de Licínia Quitério.
Dom Tigre é o guardião do castelo e dos jardins do mesmo. E obviamente ama e é amado pela Castelã embora nunca acedesse a admiti-lo, muito menos a dizê-lo, pudesse ele falar. Há que preservar a honra dos Gatos…
Adorei a crónica e a ternura com que nos apresenta os companheiros felinos que têm partilhado a sua vida. Obrigada, Licínia.
Clara